O Programa Nacional de Vacinação pode (deve) ser obrigatório?

Texto de Sara Dias Oliveira
Fotografia de Arquivo DN e Shutterstock

Há uma petição pela obrigatoriedade das vacinas do Programa Nacional de Vacinação a circular neste momento e que recolheu mais de oito mil assinaturas em menos de dois dias. Há um Programa Nacional de Vacinação universal e gratuito, com 12 vacinas, não obrigatório mas fortemente recomendado. Há, no entanto, duas vacinas obrigatórias, do tétano e da difteria, previstas numa lei de 1962 que não foi revogada, embora não estejam previstas sanções para quem não a cumpra. Há a liberdade individual, básica num Estado de Direito. Há a saúde de cada um e a saúde de uma comunidade. Há a possibilidade de os pais assinarem um termo de responsabilidade, com declaração médica, para que os filhos não usem o boletim de vacinas. Há a morte de uma jovem de 17 anos por complicações de sarampo, que não estava vacinada por ter feito uma reação alérgica quando era bebé. Há um bebé de 13 meses, não vacinado, que a contagiou. Há a indicação da Direção-Geral da Saúde (DGS) para antecipar a vacinação do sarampo a partir dos seis meses de idade. Há um debate público alargado. E há a hipótese de a vacinação tornar-se obrigatória. Está em cima da mesa essa hipótese. De 24 a 30 de abril, assinala-se a Semana Europeia da Vacinação da Organização Mundial da Saúde. E os dados estão lançados.

O Programa Nacional de Vacinação não é obrigatório e, no entanto, Portugal tem mais de 95 por cento de cobertura vacinal. É um exemplo. «A obrigatoriedade será uma decisão política, mas o PNV não precisa dela», considera Teresa Fernandes, da Direção Geral de Saúde.

O Programa Nacional de Vacinação (PNV) pode ou não ser obrigatório? Pode, mas essa questão terá sempre de passar pelos responsáveis políticos, por um amplo debate, por um consenso nacional. É, portanto, assunto de Assembleia da República. Teresa Fernandes, técnica superior da equipa de coordenação do PNV da DGS, tem reservas quanto a essa obrigatoriedade até porque há estudos que revelam que esta não significa necessariamente uma maior taxa de sucesso.

O caso português é um exemplo, não é obrigatório e tem mais de 95% de cobertura vacinal. «A obrigatoriedade será uma decisão dos nossos governantes, mas o PNV não precisa dela. Implicaria um sistema de verificação e de coimas e não temos necessidade de complicar um programa que está bem implementado, que funciona e que resulta», diz.

A vacinação não é obrigatória, é fortemente recomendada

«O PNV não é obrigatório, é fortemente recomendado», explica Teresa Fernandes. Em março deste ano, foi feita uma campanha à volta do PNV de 2017 e na Semana Europeia da Vacinação, a DGS terá mais ações no terreno. E haverá mais iniciativas em torno do tema com o material que a DGS tem vindo a usar.

Em 1962, uma lei estipulava que as vacinas do tétano e da difteria eram obrigatórias, dos três aos seis meses, com reforços entre os 18 e os 24 meses e, mais tarde, entre os cinco e os sete anos. A lei nunca foi revogada, mas não é aplicada.

Há então um programa de vacinação com vacinas obrigatórias? Sim. Existe sanção para quem não cumprir? Não. As escolas públicas e privadas podem recusar a inscrição sem um boletim de vacinas em dia? Não. As escolas públicas não podem recusar e as privadas só podem fazê-lo se o seu regulamento interno assim o estipular.

Para Rita Lobo Xavier, mestre em Direito, professora de Direito na Universidade Católica Portuguesa, a vacinação é obrigatória à luz da lei. As vacinas do tétano e da difteria são obrigatórias desde 1962. Está escrito. A questão é que nada acontece a quem não cumpre. «Há um programa com vacinas obrigatórias, mas não existe qualquer sanção para o incumprimento dos pais que decidem não vacinar os filhos, não há nenhuma sanção organizada.» «O facto de não haver sanção não quer dizer que não seja obrigatório», diz.

Há, por outro lado, a questão da liberdade individual. «Vivemos num Estado de Direito, ninguém pode agarrar nas crianças à força e compulsivamente vaciná-las.», comenta. Mas o problema continua a ser de saúde pública. «A DGS pode, em determinadas circunstâncias, tornar obrigatórias determinadas vacinas.»

Um juiz poderá considerar que a falta de vacinação se enquadra nos cuidados básicos que os pais devem prestar aos filhos, tal como a alimentação, e, num conjunto de circunstâncias, retirar, no limite, uma criança à família.

Os pais que decidam não vacinar os filhos têm, neste momento, mecanismos para, por exemplo, proceder às matrículas. Podem assinar um termo de responsabilidade em como os filhos não usam o boletim de vacinas. Podem, se for o caso, pedir uma declaração médica em como a criança não pode ser vacinada.

Há, porém, casos em que um juiz poderá considerar que a falta de vacinação se enquadra nos cuidados básicos que os pais devem prestar aos filhos, tal como a alimentação, e, num conjunto de circunstâncias, retirar, no limite, uma criança à família.

Ana Leça, membro da comissão técnica de vacinação da DGS e ex-diretora de serviços de Prevenção da Doença e Promoção da Saúde da mesma, coloca a tónica na sensibilização. «Mais importante do que discutir se as vacinas devem ou não ser obrigatórias é que as pessoas percebam o valor das vacinas e com consciência tomem uma decisão informada no sentido da vacinação, tendo em conta a sua própria proteção e das pessoas à volta», defende.

Discutir a obrigatoriedade da vacinação não é uma tolice, na perspetiva de Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos. Pelo contrário. «É uma questão de interesse global, porque pode estar em causa a saúde da própria comunidade»

Obrigar ou não obrigar? «A obrigatoriedade tem de ser discutida no Parlamento», responde Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, que tem vindo a insistir numa grande campanha de informação sobre vacinação nas escolas, nos centros de saúde, na comunicação social. Uma campanha regular, organizada, esclarecedora. «A vacinação não é só uma questão de um indivíduo defender a sua própria saúde, mas também a saúde da comunidade», diz.

Nos Estados Unidos, por exemplo, há Estados onde há vacinas obrigatórias, mas os pais podem recusar alegando razões médicas, religiosas e filosóficas. Depende de cada Estado. França também tem vacinas obrigatórias, como é o caso da poliomielite. E em alguns países de Leste, como a Polónia, a obrigatoriedade é quase total.

Discutir a obrigatoriedade da vacinação não é uma tolice, na perspetiva do bastonário da Ordem dos Médicos. Pelo contrário. «É uma questão de interesse global. Deve ser analisada uma vez que pode estar em causa a saúde da própria comunidade», sublinha.

Miguel Guimarães insiste na importância da informação e esclarecimento sobre esta matéria. «É fundamental entender a importância de adotar medidas de prevenção e explicar que isto é um caso de saúde pública. É um direito individual que tem efeito nas outras pessoas», afirma.

Apelo à obrigatoriedade da vacinação

Esta quinta-feira surgiu uma petição pela obrigatoriedade das vacinas do programa nacional. O ministro da Saúde é o destinatário do documento que coloca a tónica na saúde pública e não nos movimentos anti-vacinação. «Porque as crianças não vacinadas podem ser foco de infeção para quem tem um sistema imunitário fraco ou para quem não pode ser, de todo, vacinado», lê-se na petição. «Porque não queremos voltar a temer doenças como a tuberculose, o sarampo, a escarlatina ou a tosse convulsa.»

Antes disso, em entrevista à RTP, o ministro da Saúde, Adalberto Campos Ferreira, já tinha deixado a porta aberta ao debate sobre a obrigatoriedade da vacinação, no âmbito das mexidas que estão em discussão na lei de saúde pública. O governante referiu que caso haja «um consenso amplo, com a audição de peritos e especialistas, deve ser equacionada essa matéria, porque se trata, no plano dos princípios, de uma restrição da liberdade individual.»

A DGS tem vindo a insistir na vacinação do sarampo, anunciou uma reserva de 200 mil doses de vacinas, e assegura que não haverá uma epidemia de grande escala. «Os níveis de cobertura de vacinação da população são de tal maneira altos que o sarampo encontra resistência para progredir», garante Francisco George.

O surto de sarampo em Portugal, com uma morte associada, o que não acontecia desde 1987, colocou a vacinação na ordem do dia. Há 21 casos de sarampo confirmados. A vacina do sarampo está no programa nacional desde 1974 e nunca mais saiu. A segunda dose foi introduzida em 1990. Entre 1973 e 1977, foi feita uma campanha de vacinação contra o sarampo que foi como erradicado no nosso país.

A DGS tem vindo a insistir na vacinação, anunciou uma reserva de 200 mil doses de vacinas, e assegura que não haverá uma epidemia de grande escala. «Os níveis de cobertura de vacinação da população são de tal maneira altos que o sarampo encontra resistência para progredir. O sarampo só existe em doentes. Só doentes têm o vírus do sarampo. Para circular é preciso encontrar terreno favorável e nós não temos terreno favorável», garantiu publicamente Francisco George, diretor-geral da Saúde.

No nosso país, a cobertura vacinal em relação ao sarampo é elevada, 98 por cento para a primeira dose e 95 por cento para a segunda dose. Não há, segundo a DGS, razões para temer uma epidemia de grande magnitude, uma vez que a larga maioria das pessoas está protegida.

A estratégia da DGS tem sido fazer um anel à volta do doente com sarampo para detetar quem está nesse raio de forma a impedir a transmissão e disseminação do vírus.

Segundo Teresa Fernandes, da DGS, «não há razões para alarme.» «Pensamos que a situação esteja controlada em menos de seis meses», adianta. A comunidade está informada sobre a doença, as autoridades de saúde estão atentas, as escolas têm indicações para alertar situações de sintomas associados ao sarampo – febre alta, tosse, corrimento nasal e manchas avermelhadas na pele.

Neste caso, a estratégia da DGS tem sido fazer um anel à volta do doente com sarampo para detetar quem está nesse raio de forma a impedir a transmissão e disseminação do vírus. Quem não tem as vacinas em dia, é imediatamente vacinado.

O assunto continua a ser abordado em várias frentes e o Presidente da República falou sobre ele e deixou um aviso. Marcelo Rebelo de Sousa pediu aos pais que pensem na saúde dos filhos para que não haja necessidade de tomar medidas adicionais. «É a capacidade para compreender isso que permite ao Estado, à administração pública, não ter de recorrer a meios obrigatórios de intervenção, acreditando na compreensão de todos para aquilo que são problemas não apenas de saúde individual, mas de saúde pública em Portugal», referiu numa cerimónia na Nova Medical School, em Lisboa, depois de um minuto de silêncio pela jovem de 17 anos que morreu na sequência de uma pneumonia bilateral, complicação respiratória do sarampo.