Buba Espinho: “O cante alentejano é do país inteiro”

Começou a cantar na adolescência em Beja com os amigos. Aos 19 anos, estava em Lisboa em casas de fado. Conquistou o seu espaço com o fado e o cante na voz, nessa sua fresca e leve juventude. Tem concerto sábado, 8 de junho, na Casa da Música, no Porto. Em novembro, lança um álbum construído à sua maneira com músicas tradicionais e novas roupagens para celebrar dez anos de um momento especial. Poderá ser o disco da sua vida.

É primavera, chove no Porto, o trânsito empanca mais do que é habitual, a VCI está congestionada, ensaio de som na RTP primeiro, conversa na Casa da Música depois, logo a seguir volta à televisão para cantar na “Praça da Alegria”, tem compromissos mais a norte após o almoço. Neste vai e vem de uma agenda ocupada, Buba Espinho chega tranquilo, fala do passado, do presente e do futuro sem qualquer pressa em cima dos ombros. O país perdeu um jogador de andebol e ganhou um músico que quer ir a todo o lado. “Correr o Mundo inteiro com o cante alentejano, com a cultura portuguesa às costas”, confessa. Esse é o seu projeto de vida. Beja será sempre o ponto de partida e de chegada.

Cresceu rodeado de música, pai músico, irmão músico, a avó Maria Amália era pianista, senhora de ouvido apurado, referência familiar e musical. Não havia como contornar, mesmo quando preferia ficar no quarto a jogar PlayStation a ver concertos de jazz com a família. Durante algum tempo, queria ser jogador de andebol, praticou esse desporto 12 anos. Mas a música não lhe era indiferente, o pai comentava que tinha ouvido e que era afinado sem qualquer pressão. “Ao longo do tempo, começo a entender que a música estava muito mais presente em mim do que aquilo que pensava.” O seu pensamento não estava errado.

À sua volta, os colegas da escola cantavam. “Todos tínhamos relação com o cante alentejano, com as raízes, com os nossos antepassados, e criámos essa bolha de começarmos a cantar em conjunto.” Tinha 16 anos. “Quando começámos a vir para as redes sociais, para as plataformas digitais, a aparecer com vídeos, toda a nação alentejana ficou orgulhosa e todos os olhos estavam virados para nós porque nunca tinha havido um grupo coral alentejano de jovens.” Um projeto amador que mostrava a Beja e ao país que o cante alentejano não era coisa de velhos, de tabernas e de bêbedos. “Havia muito essa ideia que nós quebrámos e mostrámos que a nova geração estava tanto ou mais presente no cante alentejano do que as anteriores”, conta. Percebeu que era isso que queria fazer e que a música seria a sua vida.

Aos 19 anos, estava a cantar em casas de fado em Lisboa. “Foi uma experiência incrível, a trabalhar o meu próprio instrumento, a aprender a gerir a minha voz.” Aos 21, ganhou a Grande Noite do Fado, viveu na capital durante sete anos. “Foi uma época de muita superação, de muito esforço, de muito sacrifício, estar longe da família em prol de um sonho.” No início, sentia saudades e escrevia muito sobre esse sentimento. Depois, no tempo das casas de fado, lia poesia dos anos 1960, 1970, Fernando Pessoa, Fernando Peres. Uma leitura muito direcionada para a métrica de cantar. “A minha leitura é muito focada na poesia cantada”, revela.

A certa altura, decidiu percorrer o seu caminho, lançar-se a solo, expor a sua voz, ganhar corpo e identidade. O fado guiou-o nesse trajeto. “Foi através do fado que encontrei essa estética onde me identifiquei muito e onde bebi muito.” Em 2020, lançou o primeiro álbum “Buba Espinho”, que fala do Alentejo, do campo, do fado, de Lisboa. Um disco em nome próprio para se mostrar ao mercado, à indústria. Em 2023, apresentou o segundo trabalho a solo, “Voltar”, em que fala de si como artista e como pessoa. “São álbuns muito diferentes, mas ambos com muita identidade, do caminho que já fiz, do que estou a fazer, e para onde estou a ir.” Ainda hoje se arrepia quando os escuta. Em palco, quando ouve a plateia a cantar as suas canções, sente que está no trilho certo.

No próximo sábado, 8 de junho, tem concerto na Sala Suggia da Casa da Música, no Porto, às 21.30 horas. Apresentar-se-á em sexteto com um convidado do Porto que quer que seja surpresa. Nessa noite, quer dar ao público o que ele merece. “O expoente máximo daquilo que são os arranjos e os poemas que temos vindo a escrever nos últimos tempos”, adianta. Ou seja, a reconstrução do projeto, que anda na estrada há ano e meio, com uma nova roupagem, mantendo a linha tradicional, misturada com a sua juventude e a sua geração. Promete uma celebração da amizade, do amor pela música. Ainda fresco na memória está o concerto nos Aliados, em dezembro passado, chovia, ninguém arredou pé, via cada vez mais gente. Não esquece esse momento, essa entrega, a valorização da arte e da cultura que sente na Invicta. A ligação ao público do Porto é muito forte, sente-se no dever de apresentar algo especial. É o que fará daqui a dias.

Interpretar e vestir personagens

Não consegue estar quieto, faz várias coisas ao mesmo tempo, sempre a pensar em canções, em projetos. O próximo já ganha corpo, um álbum para celebrar dez anos da inscrição do cante alentejano a Património Cultural Imaterial da Humanidade, que sairá em novembro. Há dez anos, também houve disco feito com o pai e outros artistas. “Vou fazer exatamente o mesmo, mas à minha maneira, sendo eu a controlar e a produzir tudo o que vai acontecer.”

Tem várias ideias para concretizar. “Quero trazer para este álbum músicas tradicionais, dar-lhes uma nova roupagem, criar novas músicas alentejanas para criar também uma nova leva daquilo que é o cante alentejano do século XXI, porque as coisas têm as suas alterações, as suas transformações. Eu não sou igual às pessoas que começaram a cantar as primeiras modas.” Levanta, ligeiramente, a ponta do véu. “Quero trazer compositores de outras áreas, produtores de outros géneros, artistas totalmente diferentes da minha música, quero fazer uma festa à volta do cante alentejano.” Nesse cante tão peculiar, nesse sofrimento cantado, que marca por onde quer que passe.

“Sempre senti que o Alentejo tem algo especial e o cante alentejano é tão Portugal como é fado, o cante alentejano é do país inteiro”, comenta. Há dois anos, andou em digressão pela América do Sul – Panamá, Bogotá, Montevideu, São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires -, foi recebido de braços abertos, foi muito especial. “As pessoas ficam muito emocionadas sem saberem bem porquê, não entendem, mas sentem aquilo que estamos a cantar, e é uma partilha incrível.”

O seu processo de criação musical foi construído pouco a pouco, encontrou na partilha de sensações e de histórias um modo bonito de se ver pelos olhos de outros artistas que começaram a escrever sobre si e para si. “Aí encontrei uma coisa de que gosto muito que é interpretar e vestir personagens, é sempre uma perspetiva muito interessante cantar a minha personagem escrita por outra pessoa, é interessante vestir uma personagem sobre mim, mas que não é minha. Dou por mim a sentir-me uma pessoa muito mais rica com todas essas perspetivas”, refere.

Não há uma linha a separar a música da sua vida e a vida da sua música. “Houve uma altura em que pensava muito sobre essa questão, mas depois dou por mim a pensar todos os dias sobre música e o que é que a música me traz – e traz-me muitas coisas boas – para a minha vida, para o meu lado pessoal, para a minha vida familiar, que sinto que tudo é música e tudo é vida.”

Buba é de criança e tanto o disse que ficou. Quando era pequeno, e aprendia a falar, só dizia Buba, Buba, Buba. Buba ficou, em vez de Bernardo, seu primeiro nome. Nascido e criado em Beja, as suas raízes, onde há pouco mais de um ano abriu o bar “Desafinado” com dois amigos e sócios. Aberto de quarta a domingo, das cinco da tarde às duas da manhã, com comida, bebida, música ao vivo uma ou duas vezes por mês. Aconselha canelones de pato e um prego de atum que é, garante, “o melhor do Mundo e quem sabe o melhor da Europa, como dizia o Jorge Jesus”, feito pelo cozinheiro e sócio Manuel. “Encontrámos ali um espacinho, aliando a música à arte criativa. É uma brincadeira de três sócios e vai correndo bem.” Tão bem que o espaço começa a ser pequeno. Também cozinha? Nem por isso. “Os meus ovos mexidos são os melhores do Mundo e talvez da Europa”, responde com a piada de há pouco.

Quando não está na estrada, consegue ter uma rotina, treinar, ir ao ginásio, passear e estar com a filha bebé de oito meses – que nasceu no único dia de folga entre uma tournée de 26 concertos -, jantar com a família. “Ser pai é inexplicável.” Gosta de viajar, conhecer outras culturas, há pouco tempo esteve em Barcelona a visitar casas de flamengo. “Gosto muito de fazer essas visitas musicais.” Aprecia bastante estar em casa em modo descanso. “Não sou uma pessoa com hábitos estranhos, sou um rapaz de 29 anos que nasceu no Interior, que gosta muito da sua terra e que gosta muito de conhecer outras coisas.”

Beja, música, família, amigos, viagens. Cantar. Cantar sempre. O pai sempre lhe disse que a música é boa arte quando vem do coração, seja a cantar à capela, seja com uma guitarra elétrica nas mãos. Habituou-se a respeitar todos os géneros e perspetivas musicais nessa sua própria mistura de fado e cante. E não fecha a porta a nada. Nunca dirá nunca ao que quer que seja no universo musical. Isso é uma certeza.