Valter Hugo Mãe

Chico Buarque 80


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Toda a gente tem fanicos ao pé de Chico Buarque. Não é só pelo seu genial percurso, pela obra, é também pelo intenso carisma, a fundura de seus olhos para onde Deus parece ter atirado o mistério absoluto. Eu lembro-me de a Simone Paulino falar de um café da manhã em homenagem ao Chico em que ele nem estaria, mas bastava para que até por dentro os ossos virassem uma poeira. O corpo inteiro ficava molinho como o das peles largadas, um pouco de carne derretida igual aos relógios surrealistas de Salvador Dalí. E eu não sentia diferente, embora quisesse fazer de macho e fosse mais parco em palavras. Dizíamos Chico Buarque e ficávamos meninas iguaizinhas, com vergonha e felicidade, com canções nos ouvidos e orgulho.

O Chico Buarque completou esta semana 80 anos de idade mas todos temos a mesma idade que ele, porque não importa que o tempo conte diverso, o coração é paritário, ele traz tudo para dentro do mesmo lugar e do mesmo tamanho. Amar é uma paridade entre diferentes, é uma fusão. Uma mesma matéria que existe em dois corpos. Com Chico, sei que há uma multidão ambulando com a mesma matéria, um povo inteiro carregando a identidade de uma paixão que não há como esconder.

Como palavra mágica, o nome de Chico Buarque abre nas bocas das pessoas. Esta semana, pelo aniversário, toda a gente comentou e fez sua prece de felicidade. Por sorte, nossa tribo de admiradores andou em abraços e partilhou canções e letras de canções e falas de entrevistas e dos livros. A obra de Chico esteve atarefada entre nós, como na verdade tem estado sempre. Atarefamos a sua obra, que não se cansa, e ela uma e outra vez encontra soluções para nossos dias e explica até aquilo que ainda vai acontecer.

Chico Buarque fez aniversário e a festa foi em toda a parte. Onde há gente decente houve festa. O mestre da música mas também do gesto ético, da ponderação, do respeito pelo humano, pelo resgate dos enfraquecidos, dos que se perderam pelo caminho, dos que ainda sonham mesmo que à míngua. Grande mestre da música e da literatura, grande mestre de se ser pessoa. O seu aniversário é um aniversário de toda a gente do lado certo da História. Eu, que não posso beber nada de muito arriscado, bebi laranjadas solares com ar de quem está no banquete do rei. Os reis de verdade são no império da identidade e do coração. Ali fica Chico Buarque. Na nossa identidade, no nosso coração. Viva Chico. Feliz aniversário.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)