Joel Neto

Cinco minutos


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Há dias, no “The Guardian”, li sobre o projecto de um jornalista para viver até aos 100. Contava ele que, tendo-se iniciado na profissão em meados dos anos 80, comeu de mais, bebeu de mais e fumou de mais durante décadas. Era a cultura da época, e o mais natural era os seus protagonistas manterem esse estilo de vida até ao fim precoce. Ele recusou-se. Aos 45, com peso em excesso, análises horrorosas e (provavelmente) uma depressão, mudou a dieta, foi fazer exercício, parou com os vícios e pôs-se a reunir músculo. Mas já não chegava. No ano passado, na contagem decrescente para o 60.º aniversário, pôs-se a reflectir no que era, tinha sido e talvez ainda pudesse ser a sua vida – e decidiu apostar tudo na longevidade.

Parecia a minha autobiografia. Se pegássemos naquela data, “meados dos anos 80”, e a substituíssemos por “meados dos anos 90”, podia realmente ser a minha história. Perguntei-me: “Será que eu também podia tentar viver até aos 100?” Neste momento, nenhuma demanda me soaria melhor. Uma pessoa tem um filho, põe-se a pensar se não gostaria de ter outro, e a certa altura pergunta-se: e avô, será que eu conseguiria ser avô também? Avô de uma criança autónoma, já? De um adolescente? Que diabo, será que eu não poderia ir levar o meu neto à faculdade? De maneira que fui ler as sugestões do dito jornalista. Primeira: dormir, que é a melhor maneira de tirar as doenças coronárias do caminho – e desisti logo à primeira.

Que saudades tenho de dormir. Já não digo sete ou oito horas: ao menos umas cinco ou seis, de vez em quando. E não é que o Artur não me deixe dormir: deita-se cedo e acorda tarde. E também não é que eu próprio seja incapaz de dormir: sou algo insone, mas dantes tinha tempo para corrigir. Por ora, simplesmente não tenho tempo para dormir. Só hoje, abri e fechei a livraria, perdi uma hora num banco, preparei e gravei um programa de rádio, fui às compras a dois supermercados, um grossista e um frigorífico, recebi o Alberto Manguel na livraria, fui buscar o Artur ao colégio, participei no ensaio da marcha, passei horas a responder a emails e agora estou aqui, às duas da manhã, a tentar escrever uma crónica e a ver o Sebastião Bugalho sem som – como é que eu podia não ter saudades de dormir?

Preciso de dormir. Quero dormir para chegar aos 100. Tenho saudades de dormir. De acordar preguiçosa e renovadamente. E de não ver o Sebastião Bugalho, caramba. Pelo amor de deus: cinco minutos – um homem de 50 anos, que pagou os seus impostos e nunca cometeu crimes de sangue, não merecia cinco minutos a dormir, sem ver o Sebastião Bugalho?