Jorge Manuel Lopes

Em câmara lenta


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Conheceu-se o compositor e produtor Nuno Beats a bordo do coletivo RS Produções, de formação oscilante mas com Nuno e DJ Narciso no núcleo. Em comum, além de raízes na Rinchoa, Sintra, têm a publicação de discos pela editora lisboeta Príncipe, um marco na eletrónica dançável, com um pé à beira-Tejo, outro em África, a cabeça na estratosfera. É pela Príncipe que Nuno Beats se mostra pela primeira vez em nome próprio com o álbum “Sai do coração” – e sim, são oito faixas breves, demasiado breves para tanto talento e ideias, que parecem saídas do coração.

O tema-título é o momento inicial e revela muitas das linhas com que se cose esta obra: uma dança lenta e insinuante, feita de batidas táteis, daquelas em que se percebem todos os contornos. Música com espaço em abundância, espaço e oxigénio, com o drama das pequenas coisas que se tornam audíveis e, ato contínuo, devastadoras – no caso desta faixa, isso acontece com os lamentos das vozes, as “palmas” e um sucedâneo digital de uma guitarra em contorções distantes. Tudo com elegância, tudo cinematográfico.

O que se segue é não menos fascinante. “With wine” contém funk espacial, uma espécie de teclado Fender Rhodes caprichosamente manuseado durante alguns segundos e um padrão rítmico que soa armadilhado, não inteiramente regular, cada golpe talhado com minúcia e que parece engolir-se a si próprio. “Me cuna” passa num repente, uma pequena canção de cuidado lirismo. Impressionista, “Confusão no ghetto” possui cores mais tensas graças aos cachos rítmicos em diálogo mas também a efeitos sonoros próximos da sonoplastia lúdica dos Art of Noise.

O pico de “Sai do coração” está em “7 apaixonados”, música líquida, doçura horizontal batida por uma brisa de verão, imbuída do espírito das Baleares – e se esta soa facilmente diurna (ou, vá lá, crepuscular), “Muito sono” é a sua irmã gémea noctívaga. A fechar está “N_Dengue”, um fantasma do electro vítima de naufrágio (elogio) num crescendo de intensidade que, face à doçura pacífica do material restante, soa praticamente a um ataque de ansiedade; e “Na Morau”, que termina onde esta breve e brilhante odisseia de Nuno Beats começou – sensual, som em alta-definição, contido nos recursos, um soberbo design sonoro.