Fintar a velhice com estimulação cognitiva

Trabalham-se habilidades e competências em centros de dia e lares de idosos. Exercita-se a memória, a atenção, a linguagem. E ajudam-se as famílias na adaptação às limitações que o envelhecimento traz.

Não é difícil justificar o bem que a estimulação cognitiva faz aos mais velhos. A vários níveis. As atividades estimulam o pensamento, a memória, a linguagem, retardam aqueles sinais do envelhecimento. Cérebro ativo é sinónimo de melhor qualidade de vida. A saúde cognitiva é importante. Em qualquer idade.

Exercitar a mente para manter as capacidades cognitivas é uma atividade habitual em várias unidades residenciais para idosos no nosso país. É o que acontece no Lar do Centro Social da Paróquia de Polvoreira, em Guimarães. Paula Sousa é psicóloga na instituição e explica como estimula habilidades e capacidades dos mais velhos através de memórias, sentidos, cheiros, músicas.

Seja a sentir a relva nos pés ou a relaxar ao som de uma melodia bastante calma.

A intervenção é feita em grupo com mais de 20 utentes, com menos gente, e individualmente. “Em grande grupo, conseguimos fazer terapias mais abrangentes e mais heterogéneas com a partilha de vivências, experiências, memórias. Em pequenos grupos mais específicos, mais homogéneos em termos de défices cognitivos, trabalhamos a atenção, a orientação, a concentração”, refere. Há vários caminhos para a mesma finalidade.

A estimulação multissensorial é uma forma. Paula Sousa desperta os sentidos, o tato, o olfato, a audição dos utentes. Como a atividade no exterior em que os idosos se descalçam para que os pés fiquem em contacto com a relva e a terra molhada. Ou os copos que enche com louro e alecrim, ou outras plantas e flores, e coloca junto aos narizes para cheirar. “Podem não verbalizar, mas ativam a memória.” Ou ainda as massagens que faz às mãos dos mais velhos, enquanto ouvem uma música de relaxamento numa sala com pouca gente e luminosidade de baixa intensidade. Na seleção musical, a psicóloga opta por sons da Natureza e da água, mais familiares, mais próximos de quem os escuta.

No Lar e Centro de Dia Padre Américo, em Paço de Sousa, Penafiel, a estimulação cognitiva também é prática regular. Na sala de convívio, há um espaço para esse trabalho e uma frase na parede que diz: “Envelhecer é inevitável, ficar velho é opcional”. O corpo e a mente precisam de exercício para se manterem em forma, ano após ano.

“A estimulação cognitiva é extremamente importante, além de preservar e melhorar as funções cerebrais, de pessoas que possam ter tido alguma lesão, vai atrasar algumas questões demenciais”, afirma Ana Nunes, psicóloga e diretora técnica do Lar e Centro de Dia Padre Américo. “Estimulamos habilidades, a memorização, a atenção, o raciocínio, o cálculo, a própria linguagem”, acrescenta. Em grupo ou individualmente.

Ana Nunes planeia e dinamiza atividades de estimulação cognitiva. Exercícios pensados ao pormenor. Tanto assim é que a instituição criou a sua própria mesa de estimulação cognitiva, colorida e com figuras, e dividida em oito módulos que são triângulos por cálculo, atenção, concentração, habilidade construtiva, linguagem, raciocínio, memória, motricidade. O trabalho é feito com vários materiais, desde cartas, cartões com letras e palavras, cadernos com imagens, copos com bolinhas de várias cores para apanhar e colocar nos sítios certos. Há ainda uma base de madeira caseira, feita no lar, para estimular a linguagem, em que cada rolha azul de uma garrafa de água é uma letra que encaixa no gargalo para formar uma palavra, depois de uma pergunta. Por exemplo, lança-se a questão em que mês estamos, procuram-se as letras de “maio” e forma-se então a palavra. Todas as ferramentas que ajudam no processo são bem-vindas.

A estimulação é usada como terapia para manter as funções cognitivas ativas em pessoas que correm ou não o risco de ter um défice a esse nível. “É extremamente importante, diminui o risco de demência, preserva as capacidades funcionais, melhora a autonomia e a independência dos utentes, além de promover o envelhecimento ativo”, reforça Ana Nunes. Por isso, enriquece-se o ambiente do lar e centro de dia com diversas atividades.

Pensar, recordar, aprender

Na estimulação individual, em Polvoreira, usam-se dois métodos distintos, um de integração, de ventilação emocional, do desabafo, e outro focado num caso com determinadas características. Paula Sousa fala dessa parte. “A nível emocional, ajuda-se no processo de adaptação, de integração, tanto na institucionalização, como na nostalgia do que se deixou para trás.” A casa, as rotinas, os vizinhos, uma vida, a própria identidade. Arranjam-se estratégias para lidar com a situação, conversa-se com as famílias sobre a decoração dos quartos. “Para que tragam o máximo que consigam de imagens e de objetos carregados de boas memórias”, salienta Paula Sousa. Fotografias, quadros, bibelôs. E tenta-se manter hábitos, como o caso do senhor que comia um quadrado de chocolate negro e um bocadinho de nozes antes de dormir.

Por outro lado, a estimulação individual mais específica. “Casos mais severos, Alzheimer mais avançado, défices cognitivos mais acentuados.” Estimulação dirigida, feita caso a caso.

As previsões indicam que o Mundo terá cada vez mais velhos, os números têm, aliás, aumentado nas últimas décadas, a percentagem duplicará nos próximos 25 anos. “Manter a mente ativa é essencial”, sublinha Ana Nunes. Para o bem-estar de quem passa os dias e as noites no lar e centro de dia. É como exercitar um músculo para o fortalecer. E há várias maneiras. Fazer contas, sudoku, cálculos com botões. Decorar cartões com imagens, virá-los ao contrário, descrever o que os olhos e o cérebro retiveram. Há diversas possibilidades para diminuir o risco de declínio cognitivo no Lar e Centro de Dia Padre Américo. Há atividades temáticas, adianta Ana Nunes, que coincidem com as estações do ano ou que encaixam algum assunto que se quer abordar.

A entrada num lar é sempre um momento complexo, é preciso lidar com vários sentimentos, por vezes, ambíguos, perceber as circunstâncias, afastar a culpa das famílias e prepará-las para as perdas e limitações que o envelhecimento traz. A psicóloga Paula Sousa recebe e conversa com as famílias sempre que é necessário.

No início, o momento é difícil, há dúvidas a esclarecer, perguntas a fazer. “O ajuste de expectativas é muito importante, quer no processo de institucionalização, quer ao longo da estadia do utente”, garante. Há também o estado do idoso, mais limitado, com menos autonomia, com alguns défices cognitivos, pode ou não reconhecer os filhos, os netos. “Esta gestão de emoções, essa gestão de expectativas, é um trabalho que vou fazendo com as famílias.”

A estimulação cognitiva também vai entrando nas conversas até como forma das famílias se irem adaptando às vicissitudes que o passar dos anos trazem. O trabalho do dia a dia inclui também olhar para os funcionários da instituição, pessoal técnico, auxiliares, quem está próximo dos mais velhos, instruir as equipas para o que é importante, o que deve ser feito, as habilidades que podem e devem ser estimuladas. “A forma de ajudar, de cuidar, de tratar, tem as suas particularidades”, comenta Paula Sousa. E cada particularidade deve ser tratada como merece.


Exercícios:

  • Cheirar flores e ervas aromáticas para estimular o olfato e a memória.
  • Pisar relva e terra molhada com os pés descalços para sentir diferentes texturas.
  • Ouvir música e sons da natureza para despertar a audição.
  • Fazer contas, palavras cruzadas, sudoku, sopa de letras, puzzles e jogos de tabuleiro.
  • Construir palavras, letra a letra, como resposta a perguntas que são feitas.
  • Descrever o espaço à volta.
  • Soletrar palavras.