Quando pedir desculpa é o cabo dos trabalhos

“Se não fomentarmos competências pessoais e emocionais de qualidade desde tenra idade, podemos crescer a associar o pedir desculpa a um conjunto de preconceitos negativos que atrapalham a experiência”, reconhece Filipa Jardim, psicóloga clínica

Admitir um erro e procurar perdão nem sempre é fácil. As características narcísicas, a baixa autoestima e certas experiências de vida servem frequentemente de entrave. Mas é algo que pode (e deve) ser trabalhado.

Em casa, no trabalho, numa relação a dois ou numa amizade de longa data, já todos experimentámos a frustração que vem com o pedido de desculpas que não chega – mesmo que seja para nós óbvio que o merecemos. Ou então a sensação oposta: o peso na consciência por algo que fizemos errado, sem que nos sintamos capazes de verbalizar uma palavra tão simples e que, por vezes, custa tanto a sair.

Alberto, 32 anos, natural do Marco de Canaveses, reconhece que pedir desculpa não é algo que o deixe confortável. Mas há desculpas e desculpas. Se estiver em causa um ato não intencional e pouco relevante – um gesto inadvertido que atinge por engano quem está o lado, por exemplo -, o “desculpa” sai-lhe de imediato. Se se tratar de uma situação que implique pessoas que não sejam particularmente próximas, também é mais fácil. O mais difícil, admite, é mesmo quando a necessidade de pedir desculpa se coloca no contexto de uma relação com alguém próximo, ainda mais se estiverem a meio de uma discussão. Porquê? “Nunca pensei nisso”, começa por dizer. Mas ao fim de longos segundos a pensar sobre o assunto avança com algumas teorias. “Por um lado, se estiver a ser confrontado com algo que fiz num tom que não me agrade, fico na defensiva. Aí é que não vou pedir desculpa de certeza. Por outro, parece que se pedir desculpa uma vez, depois vou ter de pedir sempre.” E isso é coisa para o deixar com o estômago às voltas. Mais não consegue explicar. Mas desconfia que o facto de a mãe nunca ter sido boa a pedir desculpa possa ter o seu peso.

Na verdade, esta está longe de ser uma questão menor. Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica, salienta que “o tema das desculpas é frequentemente abordado em consultas de psicoterapia, seja psicoterapia individual, seja de terapia de casal ou terapia familiar”. “Os pacientes habitualmente partilham as suas dificuldades em pedir desculpas, tanto em contextos pessoais como profissionais. Muitas vezes, discutem o impacto de não receber uma desculpa de alguém importante nas suas vidas, ou de não as receber no timing que consideram correto ou na forma como pretendiam, o que pode causar ressentimento e mágoas duradouras.”

Mas afinal, porque é que pedir desculpa pode ser tão difícil? A resposta encerra várias dimensões. “Em primeiro lugar, dependerá muito da nossa história e modelagem em relação ao pedir desculpa: se tivemos ou não bons modelos à nossa volta, qual a nossa história com este tipo de situações.” Pode ser também uma questão de ego ou autoestima, dado que “muitas vezes associamos o pedir desculpa a um erro ou falha, seja de caráter ou competência”. “Além disso, pedir desculpa pode fazer-nos sentir vulneráveis ao admitirmos a outra pessoa que precisamos do seu perdão, como se lhe estivéssemos a atribuir mais poder”, acrescenta Filipa Jardim, que é também fundadora e diretora clínica do projeto “Transformar”, ligado à saúde mental.

Catarina Lucas, também ela psicóloga clínica, adiciona ainda “o orgulho e a incapacidade de admitir que se está errado, o medo da rejeição, caso o pedido não seja aceite e a relação não seja reparada, a vergonha e a culpa como sentimentos difíceis de enfrentar e gerir ou a dificuldade em lidar com a responsabilidade de algo que correu mal ou com a forma como alguém se sente”.

Mas a dificuldade não é igual para todos. “Pessoas com características narcísicas, baixa autoestima, elevada rigidez ou dominância poderão apresentar maior resistência ao ato de pedir desculpa.” Além da tal questão da modelagem. “Os padrões culturais e familiares também podem exercer um papel neste caso concreto, assim como a história de vida. Pessoas com histórico de abandono, rejeição ou humilhação poderão ter dificuldade em pedir desculpa por medo da reação do outro”, reitera Catarina Lucas. Sendo que “experiências de vida como uma educação rígida, onde erros eram severamente punidos, podem criar uma aversão a admitir falhas”, completa Filipa Jardim.

E sim, isso é um problema. É que pedir desculpa – e ver as pessoas com quem nos relacionamos a fazê-lo – é fundamental para a nossa sã convivência. “Um pedido de desculpas sincero pode reparar danos emocionais, restaurar a confiança e promover a reconciliação. Além disso, mostra responsabilidade e maturidade emocional, indicando que a pessoa reconhece e lamenta o seu comportamento. Este ato de humildade pode fortalecer os laços entre as pessoas, demonstrando respeito e consideração pelos sentimentos do outro. Num nível pessoal, pedir desculpa pode aliviar sentimentos de culpa e remorso, contribuindo para um bem-estar emocional mais saudável.” Pode ser até sinal de “um nível superior de desenvolvimento pessoal”. “Já se tornou claro para nós que todos falharão em algum momento, pelo que o objetivo não passa por diabolizar esses momentos e julgarmo-nos ferozmente, mas sim por reduzir a ocorrências dos mesmos e aprender com os erros.” Catarina Lucas sublinha ainda que “em contextos profissionais e sociais, pode ser uma forma de reafirmar o compromisso ético e da responsabilidade social”.

Já a incapacidade de pedir desculpa implica, regra geral, uma fatura pesada. “Pode levar à deterioração das relações e à perda de confiança, traduzindo um mal-estar nas relações interpessoais. Pode também ter um impacto a nível pessoal, dificultando o processamento da culpa e da vergonha.” Já no caso de um grupo, trate-se de um grupo de amigos ou de um grupo profissional, gera-se um “ambiente tóxico” que, no limite, “pode levar à diluição das relações”, reforça Catarina Lucas.

“Por tudo isto”, ressalva Filipa Jardim, “percebemos que, se não fomentarmos competências pessoais e emocionais de qualidade desde tenra idade, seja em contexto escolar, seja em contexto social e familiar, podemos crescer a associar o pedir desculpa a um conjunto de preconceitos negativos que atrapalham esta experiência”.

É o seu caso? Não desespere. A dificuldade em desculpar-se não é irremediável. Palavra de Filipa Jardim. “Da minha experiência, um processo psicoterapêutico pode ajudar a entender as barreiras internas que dificultam um pedido de desculpa e a desenvolver estratégias para superá-las, promovendo uma comunicação mais saudável e eficaz nos relacionamentos a par de níveis adequados de responsabilização e uma autoestima mais sustentável.”