Valter Hugo Mãe

Terras de Baião


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Conduzimos para Baião como quem desintoxica a paisagem. Limpam-se os montes até nos parecer tudo feito de saúde e saudade. Que maravilha. Vir às cerejas ou aos acenos das árvores, ao silêncio bonito, o sossego, e vir para demorar um pouco a comprovar como teríamos todos mais juízo se também vivêssemos a sentir a lenta importância de tudo.

Passaram muitos anos desde que vim para Baião, mas a memória sabia destes tamanhos, as vistas ao longe, tudo como um mundo inteiro, feito da vastidão. Custa acreditar que ainda não destruímos esta maravilha. Que ainda há esta floresta, este pulmão debaixo do sol intenso, uma fertilidade tão generosa, exuberante.

A recuperação do Mosteiro de Ancede faz do casarão antigo, apadrinhado por Santo André, um lugar de convergência onde estas terras criaram uma espécie de praça de arte irrepreensível. Que estas vilas e aldeias recônditas possam ter acesso a um espaço de memória e cultura desta qualidade é pura democracia. O edifício alerta a paisagem para a dignidade, para o brio. Vê e vê-se em toda a sua elegância, pedindo o solene respeito por este interior.

Está patente uma exposição com curadoria de Cabral Pinto celebrando o 25 de Abril. Pelos 50 anos decorridos, mostram-se 50 trabalhos de 50 artistas e a selecção não tem falhas. De Lourdes Castro a Nikias Skapinakis, de Ângelo de Sousa a Albuquerque Mendes, Graça Morais, Cruzeiro Seixas ou Paula Rêgo e Joana Vasconcelos, o essencial da arte contemporânea portuguesa encontra-se ali, em obras que não são meramente indicativas mas, em alguns casos, verdadeiramente importantes. Os casos de Gerardo Burmester ou de José de Guimarães são sintomáticos. As obras expostas são preciosas, das mais belas que tenho visto de um e de outro.

Que Ancede possa mostrar o muito melhor da arte recente de Portugal é, a meu ver, modo de fazer país. Vontade e decência para que ninguém se exclua e para que aquilo que define a nação e sua identidade seja posto ao serviço daqueles que, num certo sentido do caminho, parecem significar o longe.

Lindíssimas terras de Baião. Espero voltar em menos tempo, agora. Em muito menos tempo.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)