Joel Neto

Vergonha & orgulho


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Determinado a desempatar uma indecisão, tenho tentado reger-me pela máxima: “Que ao menos ele não ache que fui um cobarde”. “Ele” é o Artur, meu filho, e desde que veio ao Mundo que a minha vida se tornou infinitamente mais esperançosa, mas também um pouco mais difícil.

Esforçarmo-nos por vencer a cobardia constitui tarefa duas vezes custosa: o escrutínio dá um trabalho infernal e o zelo traz consigo ressentimentos, inimigos inesperados, até ódios. Tenho-me exposto a bastas chatices em busca dessa convicção, singela mas não despicienda, de que o meu filho jamais possa sentir vergonha de mim.

E o pior é que, dentro de si, um homem sabe que existe sempre um ponto de ruptura, que em nenhum caso está realmente a salvo de ter de mandar às malvas a coragem e que, quanto à cobardia, pode até vir a aceitá-la com certo entusiasmo, se se tratar – por exemplo – de salvar a vida a um ente amado.

Tem consciência, no fundo, de que está a mentir a si mesmo, que no fim pode ser tão fraco como qualquer outro e, inclusive, invocar razões ponderosas para se absolver. Mas cabe-lhe tentar, a verdade é essa, até porque não lhe resta muito mais a fazer.

Ao menos isso pode depender dele, na maior parte das circunstâncias: nunca chegar a ceder o suficiente para envergonhar aqueles que esperam dele segurança ou (ao fim de alguns anos) exemplo. Mais do que isso seria tentar infundir orgulho, e o orgulho é uma sensação de uma natureza inteiramente diferente, daquelas que não se podem programar.

O orgulho é uma coisa lá delas, das outras pessoas. Isso nunca me ocorreu, pelo menos racionalmente: ponderar se o meu filho, um dia, terá ou não orgulho em mim. Será ele a decidir tal coisa, se de uma decisão, aliás, puder tratar-se.

Há filhos que sentem orgulho nos pais apenas porque eles ainda não assaltaram um banco ou são do Benfica, enquanto outros negam esse sentimento aos seus apesar de estes continuarem a cultivar o seu jardim, a agradecer que na terra haja música e a descobrir com prazer uma etimologia, como dizia Borges. O orgulho depende de tanta coisa, e aliás é tão frequentemente resultado sobretudo do desejo daquele que se orgulha – isto é, mais do que do mérito daquele que o faz orgulhar-se -, que nem chega a ter causa/efeito.

Já a vergonha, não. A vergonha pode evitar-se, e normalmente está nas nossas mãos fazê-lo. Portanto, a mim, apaziguar-me-á a ideia, um dia, de que nem eu me pus, nem o Mundo chegou a pôr-me, em posição de aceitar a cobardia até a um ponto de que alguém – e o meu filho em especial – pudesse envergonhar-se por mim. Apenas isso persigo.